Na certa, é cedo para afirmar até onde vão às práticas dos Estados Unidos na busca por esse novo arranjo global que concebe o tal "make America great again"; mas, apesar de Trump e seu governo estarem construindo uma nova forma de diplomacia internacional, parece quase incontestável que parte dela passa por uma disposição dos mesmos de sacrificarem os países aliados em nome desse novo horizonte. Boa parte dos problemas internos dos Estados Unidos, na visão do novo governo Trump, são causados de forma mais ou menos direta pela chamada máquina do estado profundo(deep-state), conceito que diz respeito a um braço dentro de uma estrutura parasitária maior, que por sua vez está descrita na teoria criada por Curtis Yarvin, costumeiramente chamada de "A catedral". Contudo, o país, após a crise dos "subprimes" cujo início se deu em 2007, enfrenta problemas não exatamente de ordem burocrática, mas de ordem econômica. O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) projetou um aumento da dívida pública do país, que pode chegar a 100% do PIB este ano(2025) e passar de 118% em 2035. Um número, não mais que relevante, de especialistas apontam que apesar dos números econômicos gerais serem, por hora, de certa estabilidade, há uma suposta recessão à frente. Dado que a taxa de juros básica do país já se encontra abaixo da média (média:5,42%/atualmente: 4,50%) e caindo, entra-se o ponto-chave aqui.
As tendências que o protecionismo norte-americano geram no mundo livre.
Desde o pós-segunda guerra, no acordo de Bretton Woods(julho de 1944), o dólar se torna a moeda a ser usada para transações comerciais, afinal de contas era a América quem estava assumindo o posto de potência global na época. Em 1971 o dólar deixa de seguir o famoso padrão ouro, ou seja, não têm mais lastro em ouro. A partir de então, sua base monetária, ou melhor, suas políticas monetárias têm a capacidade de induzir à inflação e consequentemente a política monetária de outras nações, além de influenciar no preço de diversos produtos. Imaginemos, por exemplo, que os EUA decidam por abaixar sua taxa de juros básica, ao ponto de forçar seus investidores a buscar um retorno em outros países cuja taxa de juros seja mais atrativa, em geral, países subdesenvolvidos. Sendo assim, a saída de capitais pode enfraquecer a demanda pelo dólar, causando sua desvalorização, o que encarece as importações e pode contribuir para o aumento da inflação nos EUA. Uma vez que o aumento da taxa de juros não seja uma abordagem viável devido ao objetivo de aquecer a economia com crédito barato, o Federal Reserve(Fed) poderia recorrer a outras ferramentas de política monetária para estimular a economia, algumas das quais envolvem mudanças na base monetária. Chegando até aqui, vemos em ação um "super poder", que apenas uma potência como os Estados Unidos têm: exportar inflação. Pois, se o dólar perde valor, ou sofre com tais instabilidades, países com grandes reservas em dólar enfrentam redução no valor de seus ativos. Além disso, os países que importam bens em dólares podem ver os preços subirem, gerando inflação local. Enquanto esses países enfrentam os custos da inflação exportada, os EUA podem continuar financiando seus déficits e estimulando a economia sem enfrentar totalmente as consequências internas, aproveitando a demanda contínua pelo dólar globalmente. Simplesmente mágico, ou quase.
A nova diplomacia internacional americana começa, em efeitos práticos, com o sacrifício público do presidente Zelensky em sua ida à Casa Branca. Talvez sem precedentes na história, ao menos da forma exata que se decorreu tudo. É feita uma reunião com um representante de um país aliado, onde, de forma televisionada e na presença de jornalistas do mundo todo, inicia-se ou ao menos conduz-se uma discussão com claras intenções de subjugar o presidente ucraniano. Não se deu nem um pouco à toa o fato da "conversa" discorrer em assuntos sensíveis e, ainda assim, atipicamente tudo é dito sem intérpretes ou pontos de tradução simultânea, a fim de clareza e precisão nas mensagens, uma vez que ambas as partes estariam falando em seu próprio idioma, como costumeiramente é feito em reuniões diplomáticas. Mas qual seria a intenção desse dito 'sacrifício'? No que eu respondo em uma versão sintática: construir uma imagem de indisposição, por qualquer que seja o motivo por parte da Ucrânia de rejeitar um acordo de paz, tendo assim uma suposta justificativa de fazer o que de fato veio em seguida do acontecido. Suspensão imediata de toda ajuda americana à Ucrânia, e uma busca mais escancarada de realizar acordos de exploração de minerais de terras raras com a Rússia. Apesar das afirmações envolvendo um sacrifício intencional, ser passivo de um entendimento meramente conspiratório, parece bem sólido afirmar que a postura dos Estados Unidos em relação à ameaça russa à Europa é de desdém, ou mesmo de capitulação da velha posição de "xerife do mundo". Trump também afirma nesse momento que não defenderá os países da OTAN que não investirem ao menos 5% do PIB nas próprias defesas, mesmo que no mandato anterior, a exigência ficava restrita em um investimento de 2%. Esse aumento das exigências americanas não só se mostra inviável para a maioria dos países europeus, como um aparente ensaio de argumento que isenta o país de defender outro quando for acionado o artigo 5º; o que por si só tende a enfraquecer a aliança, sobretudo perante os olhos dos seus inimigos.
Assim sendo, a 'nova diplomacia internacional americana' não têm muito pudor em sacrificar aliados. Talvez só não seja mais tão interessante ser um aliado do país norte-americano.
Líderes europeus se reuniram no dia 11 de março de 2025, para discutir formas de aumentar a segurança do continente; no encontro, os líderes europeus manifestaram apoio à proposta da Comissão Europeia(braço executivo da União Europeia) de criar um fundo para empréstimos de 150 bilhões de euros, para que os governos do bloco promovam o rearmamento europeu diante da guerra da Rússia na Ucrânia. O Reino Unido foi um dos primeiros países a anunciar aumento nos gastos com defesa, que aumentará de 2,3% para 2,6% do PIB, Isso significa gastar 13,4 bilhões de libras(US$17,2 bilhões) a mais com defesa. Em Berlim, Olaf Scholz comentou que o país precisava de uma nova política de defesa e segurança, então estabeleceu um fundo único de € 100 bilhões para “investimento abrangente” nas Forças Armadas. Somado a essa tendência de retração da Europa por conta de um distanciamento dos EUA, há internamente um crescente protecionismo nacional nesses países. Na França, o partido Rassemblement National, liderado por Marine Le Pen, tem ganhado força com propostas de controle de fronteiras e redução da influência da União Europeia. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha(AfD) tornou-se uma das principais forças políticas, defendendo políticas anti-imigração, e retorno de um orgulho nacional; contando com apoio inclusive de figuras como Elon Musk e JD Vance(vice-presidente americano). A Hungria, sob o governo de Viktor Orbán, é um exemplo claro de políticas de retração; Orbán promoveu reformas que centralizam o poder e também restringiu o ideal de fronteiras livres e abertas. Na Itália, partidos como (a Liga), liderado por Matteo Salvini, têm defendido políticas protecionistas, além de tecer diversas críticas à zona do euro.
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